A construção do Terminal Rodoviário Rita Maria, projeto ganhador de concurso nacional de arquitetura, remonta ao final dos anos 1970, período de execução do Aterro da Baía Sul na Ilha de Santa Catarina, em Florianópolis. O aterro, que recebeu projeto paisagístico de Roberto Burle Marx, foi parte de estratégia, à época, de renovação do sistema viário da cidade.
O anteprojeto arquitetônico vencedor do concurso, promovido pela Secretaria Estadual de Transportes e Obras em 1976, foi o da equipe liderada pelos arquitetos uruguaios Yamandú Carlevaro (1934) e Enrique Brena Nadotti (1937), e contou com a colaboração do arquiteto argentino Ricardo Monti. A construção envolveu uma logística complexa em função da proposta construtiva e, após várias interrupções, a inauguração se deu finalmente em 1981.
“A linguagem arquitetônica corresponde a uma concepção expressionista completamente integrada e afirmadora da dinâmica funcional, com utilização de materiais nobres e contrastantes, incorporando toda a rede do complexo sistema das instalações prediais na composição espacial doconjunto.” (Carlevaro; Brena, 1981)
O Terminal Rodoviário Rita Maria configura uma grande nave, com duas faces mais evidentes na sua implantação: uma de recepção ao usuário urbano – a frente para a cidade –, onde se apresenta como o último monumento construído a ser visualizado pelos que estão partindo da cidade, antes das pontes; e a outra, a do espaço dos ônibus, das partidas e chegadas – os fundos urbanos – na linha da orla marítima.
“Os materiais básicos estão compostos por elementos estruturais de concreto aparente sem tratamentos especiais, vidros colorglass fumé, piso de borracha de cor preta e elementos leves de divisórias e forros caracterizados com cores contrastantes frente à escala monocromática da composição geral.” (Carlevaro; Brena, 1981)
O uso de uma grande estrutura de concreto armado, desnudado de quaisquer artifícios de revestimento, revelaria a atualização tecnológica necessária para uma cidade que se queria metrópole. A linguagem arquitetônica adotada na máquina de receber passageiros se traduz em um brutalismo refinado, porque deliberadamente desenhado em concreto aparente de alto desempenho. Não seria mais aquele brutalismo de batalha, na defesa da “verdade e/ou honestidade dos materiais”, mas um brutalismo apurado no concreto aparente, agora adotado como estética urbana.
O discurso do racionalismo técnico perpassa todos os depoimentos registrados nas publicações dos autores e soa como uma declaração de princípios. Princípios de projeto arquitetônico, mas também princípios de conduta profissional, ao desenhar uma edificação complexa, com caráter de equipamento urbano e de grande coerência interna.
“A solução é um complexo espaço-funcional construtivo sistematizado, ordenadora dos serviços, resolvendo sem contradições a dupla fluência da máquina (fluxo rodoviário) e o usuário (fluxo humano).” (Carlevaro; Brena, 1981)
Na proposta do Terminal Rodoviário Rita Maria, seguindo a corrente mundial moderna de então, transparece a afirmação da racionalidade como expressão estética. A poética do brutalismo faria contraponto ao avanço técnico, não somente da exequibilidade, mas também das instalações e serviços, como corolário da modernidade.
“(…) o conceito básico que direcionou esse projeto foi a separação do fluxo de carga, descarga e abastecimento, facilitando e assegurando o desempenho de funções. Sua tradução física é uma construção linear em concreto armado, com estrutura de pórticos longitudinais e cobertura em pré-moldados”. (Carlevaro; Brena, 1988)
Ironicamente, o novo equipamento urbano, apesar de sua localização na borda d’água, se coloca de costas para o mar. Isso, ao que parece, inaugurou uma tendência que resultou em um pipocar de edificações institucionais no Aterro da Baía Sul, todas invariavelmente seguindo nessa implantação que, em última análise, nega a condição marítima identitária do lugar.
Um ícone da arquitetura brutalista na cidade-capital apresenta hoje os problemas de preservação de um patrimônio recente, sofre das mazelas habituais no Brasil como a ausência de manutenção e alteração de atividades essenciais a uma estação rodoviária, e paga a conta do vanguardismo, ao ter introduzido novos materiais e sistemas construtivos então pouco testados quanto à durabilidade.
Sua integridade compositiva não foi alterada ou descaracterizada, e a edificação mantém a posição de marco arquitetônico naquela paisagem, qual nave ancorada no aterro…
* Texto escrito no ano de 2017.
** As fotografias foram publicadas no anuário impresso ArqSC 10ª edição
- Ano: 1976
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Fotografias:Ronaldo Azambuja